Amargo

Veneno rubro e amargo

Taninos líquidos, densos

vívidos, intensos

buscam a agitação ao repouso

a vida à morte

o caminho ao destino

vagando na boca, a língua

onde adormece o prazer.

Seria Dionísio realmente impuro?

ou sua pureza traduz-se em pecados ingênuos?

Seria o doce puro e o amargo vil? Ou o contrário?

O doce de tão vil se faz puro, engana o guloso e o leva.

O amargo então seria antídoto numa xícara de espresso

negro como a noite, quente como o inferno.

Sobre Fotografia: Chuva e Trânsito

A primeira coisa que procurei saber sobre fotografia, quando me interessei por ela, foi seu significado: escrever com a luz. Isso, naqueles primeiros momentos, me intrigou bastante e, confesso, me decepcionou. Como algo tão charmoso quanto a fotografia podia ter um significado tão simples, tão módico.

Mas isto não bastou para me afastar das câmeras e à medida que eu ia melhorando meus cliques e estudando mais, comecei a entender que fotografar é muito mais que apertar o botão na hora certa e buscar a melhor relação entre ASA, abertura e velocidade. Fotografar é compor uma imagem que pode dizer algo sozinha.

Passei então a compreender o significado de escrever com a luz, uma imagem transmitida por uma única palavra pode ter contida dentro de si uma vida.

Muitas vidas têm sofrido com as chuvas dos últimos meses em São Paulo. Milhares de vidas sofrem com os efeitos do trânsito nesta cidade que é, carinhosamente chamada de Terra da Garoa. Trânsito com chuva significa coroar com espinhos a cabeça do paulistano que precisa enfrentar estes dois calvários para voltar pra casa no final do dia.

Eu, que não sou paulistano e montei minha vida perto do trabalho, pego pouca chuva e zero trânsito, apenas para atravessar à pé a avenida Paulista. Como chego logo em casa, costumo olhar pela janela uma cena típica: centenas de rastros de lanternas vermelhas e pontos de chuva na janela, o barulho da borracha dos pneus rasgando uma mistura pastosa de água, poeira e óleo que cobre o asfalto, buzinas e o barulho da chuva, em sua maioria abafado pelos helicópteros.

Comecei a montar a câmera sobre o tripé e fazer meus registros desta instituição de São Paulo. À medida que registrava aquela cena quase que jornalisticamente, passei a perceber que havia ali uma dose de arte, havia algo de belo que se sobrepunha àquele cotidiano encrostado de pedras de stress, raiva e resignação.

Abri o diafragma para borrar o fundo, transformando assim faróis em luzes, baixei a velocidade, foquei nas gotas esparramadas pelo vidro da janela e disparei.

Esta imagem representa bem o significado que a fotografia tem para mim, é uma obra de arte numa cena corriqueira e simples. Um momento belo onde normalmente se veria a parte mais feia da cidade escancarada, uma prova de que pode haver algo bom e agradável em qualquer situação e circunstância.

Em busca de sentido: Fotografia

O que é a vida humana se não a busca constante pela felicidade? Cada alegria vivida, cada sofrimento, todo sonho existe tão somente porque há um desejo de ser feliz, de encontrar um ideal e nele permanecer, mesmo que por alguns instantes para então mudar e ir em busca de outro qualquer.

Mas e aí, o que afinal pode ser entendido como felicidade? Algo que dê sentido à vida, respondem alguns. Mas, e aí, qual o sentido da vida? Nietzsche diria que a vida não tem sentido, a não ser o sentido que damos à vida. E agora, como encontrar sentido na vida nos tempos modernos, onde não temos mais uma ditadura ou Estado contra quem lutar, não temos mais uma guerra para vencer e não pertencemos a nenhuma cruzada contra um inimigo qualquer, moinhos de vento, quem sabe? A Igreja deixou de comandar nossas vidas e seus sinos não nos avisam mais a hora de comer, dormir, levantar.

Na ausência do Estado e da Igreja um fantasma sem nome e rosto assumiu o controle das vidas sem sentido. O mercado, a sociedade, os amigos, os colegas nos dizem que temos que comprar e o que vestir. Nos apontam para que lugares viajar nas férias. Nos dizem que devemos ter determinado carro para ser aceitos e aceitamos. Então, a busca pelo sentido passa a ser a busca pela concretização dos sonhos dos outros e ai de quem aos quarenta não tiver uma linda família; esposa ou esposo, um casal de filhos e um golden retriever.

Para mim, que ainda não sei dizer exatamente qual o verdadeiro sentido da vida, a felicidade plena só pode ser adquirida através de paz de espírito, liberdade verdadeira e amor. Até agora, nestes quase 33 anos, encontrei tudo isso em poucas coisas, em três coisas para ser exato: na convivência com a Marize, no mar e na arte.

Esta última, forma única da manifestação material do espírito humano é a maneira a qual encontrei para afirmar minha existência e a minha vontade. Encontrei na fotografia uma luz, uma verdade que tem me mantido a salvo de toda a loucura do mundo sem sentido no qual vivo a maior parte do meu dia.


Fotografar é colocar na mesma linha de mira mente, corpo e coração, como disse Cartier-Bresson. Através da fotografia sei que sou um ser humano completo, consciente e com um propósito maior: mostrar às pessoas que o cotidiano não é banal e que há uma obra de arte em cada esquina, em cada canto, pronta para ser encontrada e revelada ao mundo, basta um pouco de sensibilidade para procurar e ver. Assim, podemos sair desta busca de sentido em coisas vagas e efêmeras, como o carro que deixa de ser novo ao sair da conscessionária e passamos a dar valor ao que realmente importa: os laços verdadeiros, a convivência, a comida boa e natural, a permanência, o tempo, o sol. Então, descobriremos que a felicidade, com ou sem sentido, está nas coisas simples e são estas pelas quais realmente vale a pena viver.

sopa fora do prato

Quando criança sempre ouvia de minha mãe para tomar cuidado ao tomar sopa ou ao comer molho de tomate e não me sujar. Certa vez levei uma bronca ao deixar cair bolo sobre uma toalha novinha, eu sujara a toalha, manjara, inutilizara. Lembro de ter despertado para um fato. O bolo, na fôrma ou na travessa é bolo. Ao ser cortado e levado ao prato ainda é bolo, um pedaço de bolo. Porém o mesmo bolo, fora do prato, caído na toalha da mesa deixa de ser bolo e vira sujeira, resto, migalha, porcaria, lixo. Dependendo do lugar onde está é uma coisa ou outra.

Hoje, ao conversar com um amigo sábio, tomei consciência de outro fato: a minha antiga constatação também vale para gente, sim. As pessoas enquanto numa fôrma, num prato, são consideradas pessoas. Fora são descartadas, são sujeira, lixo.

Enquanto fazem parte de um padrão, enquanto não contestam, enquanto seguem umas às outras, as pessoas ainda são pessoas, dentro da sociedade.
Entretanto, ao sair de determinado padrão, ao tornar-se diferente, ao ver o mundo com outros olhos a mesma sociedade que momentos atrás a admirava agora lhe descarta, facilmente. Assim pessoas são jogadas fora, viram pó, entram para as minorias, são esquecidas.

Desde cedo, a escola molda as crianças para seguirem normas fixas. A hora de acordar, de dormir, comer, estudar. O modo de se vestir, falar, tratar os colegas, pentear os cabelos. Mentes inquietas, infinitas, sedentas por descobertas e conquistas são engarrafadas, vedadas, lacradas e rotuladas. Umas iguais as outras como no filme The Wall, dirigido por Bob Gueldorf e baseado na obra do Pink Floyd, com seus rostos deformados e idênticos tapando a personalidade emoldurada (We dont need education, We dont need thought control).

O orgulho da família toca piano, não dá trabalho algum, comporta-se como “gente grande”, depois cresce, namora, casa, vira pai de família, vai à igreja, é funcionário público de carreira promissora.

Se ele, ao contrário, tivesse sido ele mesmo, se não tivesse sido moldado, castrado, teria pensamentos próprios, descobriria o mundo através dos seus próprios olhos, teria experiências suas, viveria, seria verdadeiramente feliz. Se tivesse seguido seu coração e não o que a família e a sociedade queriam teria sido a ovelha negra, a sujeita do bolo, a mancha na camisa. Teria sido livre, teria sido ele mesmo. Teria descoberto a verdade, sua própria verdade e não seria sido mais um.

formigas, tags e sapatos chanel

Toc toc toc… a executiva bem sucedida desfila elétrica sobre seu chanel no grês porcelanatto black. Nesse seu vai e vem não tem tempo para observar o resultado das duas horas diárias de academia nem a bela escova que fez no cabelo pela manhã, refletidos no piso que mais parece um espelho. Ela está desenfreada para não perder um prazo, para atingir uma meta que não é sua, aumentar os lucros e diminuir os custos de uma empresa que não lhe pertence. Deixar os cofres alheios mais cheios é seu trabalho, sua vida. 24 horas por dia com o celular ligado, on line o dia todo via palm, blackberry, wireless. Seu cérebro consome fosfato numa curva ascendente, no mesmo ritmo que absorve cafeína, a droga do momento que substitui a nicotina, abolida no último ano, com ela foram cortadas aqueles que não aderiram à nova exigência e não conseguiram abandonar o hábito.
Giovanna Lavoro, descendente de italianos que vieram para o Brasil com o mesmo propósito: trabalhar, fazer fortuna e continuar trabalhando, sem ter nem tempo para usufruir dos frutos do seu trabalho.

Tic tac, tic tac, tic tac. O Tag Heuer Carrera rege a vida do executivo work-a-holic, ávido por trabalho, compulsivo, estressado imaginando mil e uma formas de ganhar mais dinheiro, empurrando seus produtos para as pessoas que ainda não têm necessidade deles. 12:00, hora de tomar a nova droga para o coração, no último check up foi diagnosticado uma arritmia cardíaca que em pouco tempo pode tornar-se mais séria. “As drogas estão aí para isto mesmo: consertar os efeitos da falta de alimentação e descanso, impossíveis nos dias de hoje” diz ele a quem lhe alerta. Volta e meia, quando os ponteiros do Tag encontram-se na posição mais alta da coroa do relógio ele se lembra que também é hora do almoço, mas isto muitas vezes é um luxo a que ele não pode se dar ao prazer, mesmo que seja uma singela maçã.
A vida de Ricardo Stark é assim. Ele constrói empresas, capta recursos, ajuda gerar empregos, mas também suja as mãos com propina paga ao governo pela construtora a qual representa, no caso de um condomínio de luxo em uma área que do dia para a noite deixou de ser de preservação.

Ha ha ha. Riem à toa donas de casa, jovens, senhores, profissionais liberais. É a nova novela das sete com seu humor pastelão escrachado, que na falta de um livro para ler, um papo para bater é a melhor opção de entretenimento e distração para cérebros preguiçosos.

…………… O som que elas fazem enquanto cavam, carregam e criam incessantemente é imperceptível aos ouvidos humanos, mas elas estão lá. Formigas, exemplos máximos da coletividade e do trabalho na natureza. Elas precisam abastecer o formigueiro para o inverno e assim, dar a lição ao gafanhoto preguiçoso. É preciso atingir a meta, é preciso deixar a rainha satisfeita, não importa se passar por cima das outras seja necessário. O trabalho tem que ser feito, está escrito no código genético, mesmo sem tag heuer ou sapato chanel, o prazo tem que ser cumprido.

E a vida segue num ritmo frenético e acelerado em direção ao colapso. O planeta têm seus recursos consumidos num ritmo nunca antes visto, muitos beiram o esgotamento. Num ímpeto cada vez maior de levar comida ao formigueiro, seres humanos perdem sua identidade à medida que aumenta seu desejo por mais. O trabalho exagerado assume a forma humana, toma lugar da liberdade individual e transforma todos numa sociedade comum de formigas, onde umas passam sobre as outras. O prêmio: mais trabalho, mais responsabilidade e menos tempo para contemplar o que está ao seu redor.

o banqueiro dos pobres

O Bengalês Muhammad Yunus é o ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2006. Yunus, doutor em economia, foi pioneiro em acreditar que pessoas muito pobres poderiam tomar pequenos empréstimos em bancos e honrar sua dívida com os frutos do seu trabalho. Yunus criou o Grameen Bank, um banco de microcrédito para estas pessoas. Fundado em 1976, O Grameen (povoado) já concedeu US$ 5,7 bilhões em microcréditos e conta com 6,5 milhões de clientes em Bangladesh, 96% mulheres. Pescadores, artesãos, pequenos agricultores que com muito pouco dinheiro (R$ 100) saíram da pobreza extrema através de um pequeno negócio.
O propósito do Prêmio Nobel é “premiar os que mais contribuíram para a aproximação dos povos, a redução dos exércitos e a promoção da paz”. Este ano, o Comitê Nobel do Parlamento Norueguês entendeu que os esforços anti pobreza de Yunus, ajudando as pessoas a vencerem pelas próprias forças é um meio de atingir e manter a paz.
A decisão dos cinco sábios que escolhem o Nobel é de uma importância sem tamanho. Em décadas estadistas e defensores de direitos humanos e ambientais vinham sendo premiados. Agora é a vez de um empreendedor, um homem de poucas palavras e muita ação.
Yunus provou que os melhores métodos de combate à pobreza são os que ajudam as pessoas a caminhar por si próprias, os que ensinam a pescar. Assim as pessoas recobram a auto estima, descobrem seu potencial e melhoram de vida.
O contrário pensa o Presidente Lula e sua política esmolista. O Bolsa Família não garante o auto sustento, pelo contrário, gera círculo vicioso e dependência mortais. As pessoas cada vez mais esperam do Estado, que cada vez mais precisa arrecadar para sustentar as políticas assistencialistas. Política social é dar condições para as pessoas aprenderem a se sustentar por si, com educação de qualidade para que possam ser cidadãos conscientes. Dar esmolas é tornar impossível que uma pessoa consiga ter sua dignidade por seu trabalho, é querer que as pessoas continuem pobres para sustentar sua ideologia.
Recentemente a ONU divulgou um estudo estimando que, em 2015, cerca de 1 bilhão de pessoas estará vivendo abaixo da linha de pobreza. O Nobel ao Dr. Yunus não é somente tão merecido por sua teoria comprovada, mas sim por ser uma ação prática e eficaz contra a concretização desta assustadora expectativa. Que sirva de exemplo ao próximo governo do Brasil.

Trens, culetos e pixels

E se de repente eu ficasse louco? Será que eu entenderia melhor esse mundo maluco? Qual é a realidade: estou perdido num mundo de doidos ou sou um lunático entre os lúcidos? A cada passo é mais escuro, mais barulhento, mais incômodo, mais abafado, sufocante. Não há mais entendimento apenas gritos, sirenes, buzinas e o pior som de todos o silêncio, indiferente.
Tem cada vez mais pessoas disputando o mesmo lugar no mesmo corredor. Cada vez mais passageiros no trem e sequer tenho a certeza de estar no trem certo. Ah se pelo menos soubesse para onde o trem vai.
O caminho é escuro, mas talvez seja eu quem esteja usando óculos escuros.
Que mundo é esse, estranho mundo, onde cada um é um número, nada mais que um número, um pixel num gráfico colorido no notebook de um executivo no topo do arranha-céu? Será que ele sabe pra onde o trem está indo?
E o trem segue cada vez mais rápido e alucinado, deixando uma fétida fumaça escura, mistura de enxofre e cheiro de sonhos queimados, almas desperdiçadas para alimentar o vapor da locomotiva guiada por um maquinista com cara de Dick Vigarista que apita e ri feito um açougueiro louco com um cutelo desvairado na mão.
E o executivo ri, gargalha jogando a cabeça para trás na melhor poltrona no trem, deletando pixels dos gráficos à sua frente e os jogando na fogueira. O trem continua aumentando a velocidade, ficando incontrolavelmente louco e desgovernado à medida que os passageiros brigam pra ficar dentro. Que paradoxo!
Mas, e se eu cair do trem? Ou for posto pra fora? Quem sabe para onde eu iria, para a loucura? Talvez enfim, ficaria finalmente lúcido e encontraria meu caminho, meu próprio caminho, longe de trens, cutelos e pixels. Afinal, quem disse que preciso deles pra ser feliz?

How does it feel


… to be on your own, with no direction home, like a complete unknown, like a rolling stone?
Tento imaginar o que tu pensavas Bob quando escreveste esta música. Será que estava cansado das viagens, das turnês, sem ter um lugar fixo, uma parada, dormindo cada noite numa cama diferente, acordando muitas vezes sem saber onde está?
Será que tu estavas perdido, sem ter pra onde ir e, mesmo cheio de gente a tua volta, dando todo o suporte que tu precisavas, tu sentias o vazio e a desilusão de que seria sempre por ti e só por ti.

Mesmo com todos os caminhos, todas as portas abertas, todas as pessoas querendo estar ao teu lado tu te sentias confuso, sem     ter uma direção, um caminho de volta para casa e muitas vezes nem ter certeza de ter uma, mesmo tendo várias.
Pessoas entrando e saindo da tua vida, como se fosse um parque de diversões num ensolarado domingo de verão e tu não saber         quem elas são. Elas, ao contrário, sabem bem “>muito bem quem tu és e nem por isso deixas de ser um estranho, um câncer a ser     extirpado. Tua missão é provocar mudança, abrir seus olhos. E elas não querem, não te querem. Elas querem fazer do mesmo jeito       de  forma diferente e continuar suas vidas medíocres, sentadas nas mesmas mesmas “>cadeiras, nas mesmas mesas de frente pras   mesmas janelas. E tu não sabes o quanto elas te odeiam e quando será o golpe, quando o tapete será puxado.
Nunca vire as costas, nunca nunca “>deixe o ponto sem nó, nunca Bob.
Essa foi a vida que escolhemos Bob. Pipas voadas, pedras rolantes, muitas vezes sem direção ou caminho de volta, sempre por si, e   na maioria nem ao menos por si e sim ao vento ou aos caprichos da montanha por onde rolamos.
À pergunta que me fizeste Bob te respondo que prefiro ser uma pedra rolante do que criar limo, vendo vendo “todos meus amigos       envelhecerem, vendo a cidade continuar a mesma, enquanto o cara do espelho se torna cada dia mais estranho” Keep rolling.